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Diga-me que tipo de Farmácia é, dir-lhe-ei porque não consegue fixar Farmacêuticos!

O tema não é novo mas continua mais atual do que nunca. Já o abordei anteriormente no artigo Farmácia: uma bomba nuclear chamada recursos humanos, mas, desta vez, resolvi olhar para o tema focando, em particular, a visão do farmacêutico, com dados concretos do “terreno”.


Certamente já ouviu histórias de colegas que dizem “Tenho outra vez a equipa desfalcada. Um dos meus melhores ativos vai sair. Imagine que até vai ganhar menos e, mesmo assim, quer ir embora. Vai deixar a área da farmácia comunitária”.


Onde está o Wally, que é como quem diz, o problema? Não querer ver o porquê deste excelente ativo estar a tomar esta decisão. Pelo contrário, opta-se por olhar para a situação como “Rei posto, Rei morto”. E lá se entra novamente em modo sobrevivência: anúncios, entrevistas, equipa esticada ao máximo, cansaço, desmotivação… até que volta a equilibrar. Nem que seja até ao próximo momento de sobrevivência, o que, nos tempos mais atuais, é já no dia seguinte.


Desde o início do ano de 2023 que a Growth HealthCare está a implementar, a nível nacional e ilhas, o 1º Programa Nacional da Diabetes feito nas farmácias – Liga-te à Diabetes by KRKA, cujo objetivo é promover a diferenciação na atuação do Farmacêutico e gerar evidência do contributo da Farmácia na obtenção de outcomes em saúde. Pode questionar-me, legitimamente, o que tem isto a ver com a fixação de farmacêuticos na farmácia comunitária. E eu respondo: TUDO.


Ultrapassado o facto de o futuro da saúde passar por tudo o que a farmácia pode fazer de diferenciador e muito pouco pelo medicamento, este Programa está a demonstrar que é este tipo de atuação que os “novos” farmacêuticos procuram. Em mais de 80% das farmácias aderentes foram os “novos” farmacêuticos que se chegaram à frente e assumiram o projeto. Pode até estar a pensar que o fizeram para “fugir” do restante trabalho e, se é isto que está a pensar, não poderia estar mais errado. Este programa implica dedicação, sair de portas, organizar ações, falar com outras entidades do ecossistema local, interagir com a comunidade e fazer seguimento de doentes. Destacar, com toda a justiça, que só o podem fazer porque a sua liderança acredita neles e, acima de tudo, acredita que este é o modelo de futuro. E, já agora, também acredita que é preciso semear para colher e que nem tudo é rentabilidade imediata, sendo necessário mostrar evidência.


Para estes “novos” farmacêuticos é a primeira vez que a farmácia onde exercem está a sair de portas, a contribuir para a promoção e educação para a saúde e a olhar para os doentes com tempo. Sim, durante 15 a 20 minutos aquele doente é o centro do farmacêutico, da farmácia e, já agora, do sistema de saúde. E não é isso que nos ensinam na faculdade? Não vou esmiuçar, neste artigo, o curriculum do curso, mas é isso que nos dizem nas aulas que são dadas numa sala que simula uma farmácia comunitária: o doente é o centro. Mas, é mesmo assim que acontece quando chegamos ao mundo real? Não fazendo uma generalização, não é o que acontece.


Farmácias há onde o doente não é o centro e apenas um meio para atingir um fim. Aqui, a única coisa que importa são as unidades vendidas, a rentabilidade, o número de atendimentos e pouco mais. É legítimo. A farmácia é um negócio e precisa de ter rentabilidade. Mas, já diz o ditado, “não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”, que é como quem diz, não se pode ter o melhor dos dois mundos ao mesmo tempo. Se o meu propósito é apenas rentabilidade e o meu cliente o meio através do qual atinjo esse objetivo, não pensando em ter um serviço de qualidade e diferenciador, então é certo que ter uma equipa estável e fixar bons quadros é praticamente uma utopia. As razões parecem-me óbvias. Enquanto é novidade, tudo corre bem. Ao fim de poucos meses, já todo o trabalho é rotineiro, sempre o mesmo e nada é desafiante. A acrescentar ao cenário, já de si pouco animador, há os horários que são autênticas montanhas-russas; há alguns objetivos que pouco acrescentam à atuação da farmácia, como é o caso de rebates e outros que tais, apenas geradores de desgaste e stress nas equipas; há ausência de diferenciação entre os diferentes graus que coexistem na equipa.


Focando agora a diferenciação, pergunto como pode um farmacêutico sentir-se motivado no seu trabalho se sabe que o seu período de trabalho vai ser mais do mesmo, no qual terá, no máximo, 2 ou 3 atendimentos diários que irão exigir mais dedicação e empenho, e se colegas de equipa, com meses de “formação” que até podem deixar a correr online sem estar a assistir, fazem exatamente a mesma coisa? Dispensar medicamentos em troca de receitas. Não creio que seja difícil de entender. O que me é difícil de entender é a maioria das lideranças não ter a capacidade de se colocar no lugar do seu colaborador farmacêutico, muitas vezes “colega”, para perceber uma coisa tão simples quanto esta.


Na farmácia e nas equipas não somos todos iguais. Não podemos ser. Por alguma razão os farmacêuticos fazem 5 anos de faculdade. E, parafraseando um político deste país, “Ao farmacêutico o que é do farmacêutico. Ao técnico de farmácia e ao TAF o que é do técnico de farmácia e do TAF”. Situações há em que tudo se confunde, mas que em condições normais nunca se poderia confundir. Fazer uma medição de parâmetros não é como pesar farinha para fazer um bolo lá em casa. Fazer medição de parâmetros é interpretar tendo em conta todo o contexto para o qual não há background possível numa formação de meses, muitas vezes e-learning. E como a medicação de parâmetros, muitas outras situações há.


Posto isto, e fazendo um exercício de consciência, qual é o tipo de farmácia em que se enquadra? Uma farmácia que, além da dispensa e acesso ao medicamento, pensa no seu cliente e proporciona um serviço de qualidade e diferenciador, ou uma farmácia que se cinge à atividade normal, privilegiando unicamente campanhas e acesso rápido ao medicamento? Se leu com atenção o artigo, já tem a resposta para a sua facilidade/dificuldade em fixar ativos de qualidade nas suas equipas.


Por último, deixo um alerta para os mais distraídos. Os “novos” farmacêuticos são novos mas não são desprovidos de raciocínio. Quero com isto dizer que, por mais que se venda muito bem um projeto, com todas as técnicas de marketing e comunicação que existem, e por mais que a proposta seja vantajosa monetariamente, se o que se está a tentar vender não combina com a realidade observada ou pedida em outros parâmetros da proposta, a probabilidade de conseguir um bom ativo é diminuta. É que os bons têm uma grande vantagem: podem escolher. Já a farmácia, muitas vezes, está em modo sobrevivência e não tem tempo para isso.

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