Acredito que, após lerem o título, alguns de vós pensem que vivo num mundo paralelo e que não estou a par dos últimos avanços tecnológicos do setor. Não é, de todo, o caso.
Atualmente, quando se fala no futuro da farmácia, fala-se quase exclusivamente em tecnologia, o chamado tech-talk. De facto, uma parte do futuro terá de passar, necessariamente, pela integração de cada vez mais tecnologia e é indispensável que assim seja. Os avanços tecnológicos dão cada vez mais poder aos utentes, o que lhes permite ter mais controlo e decisão sobre a sua saúde. Por isso, à medida que os utentes do século 21 evoluem, as farmácias e os farmacêuticos também têm de evoluir na era da saúde digital. Estamos a mergulhar a alta velocidade nesta era e a farmácia terá que alterar vários aspetos da sua realidade. Terá, forçosamente, um papel e visual diferentes do atual, o que implica abandonar antigas abordagens e integrar novas.
A transformação digital (outro chavão de que agora todos falam) nas farmácias vai muito além de ter um website disponível, uma loja de venda online ou uma forte presença no digital. A verdadeira transformação passa por implementar tecnologia que resolva ineficiências nos processos, logísticos ou outros, e que façam as tarefas rotineiras. A utilização de robôs de dispensa automática, a entrega de medicamentos em casa via drones médicos e a impressão 3D de medicamentos, de acordo com as necessidades, são alguns exemplos de implementação de tecnologia na farmácia. Não são fruto da imaginação: todos eles já estão em prática em alguns locais do mundo.
Se o futuro da farmácia será humano, porque é que até aqui apenas foi abordada a tecnologia?
Precisamente porque a implementação de tecnologia na farmácia permite libertar a sua equipa para o desempenho das funções para as quais tem formação. Com as tarefas rotineiras a serem realizadas pela tecnologia, os farmacêuticos terão mais tempo para se dedicar aos utentes e ajudá-los a interpretar os seus dados clínicos, promover a adesão à terapêutica, fazer a reconciliação terapêutica, monitorizar doentes crónicos, realizar triagem, entre outras funções.
O farmacêutico estará na vanguarda da farmácia que tende a funcionar como hub de saúde, onde disponibiliza vários tipos de serviços, desde triagem ao acompanhamento e monitorização dos utentes. Existem já vários estudos que demonstram que este tipo de serviço permite diminuir os custos em saúde e aumentar a qualidade e alcance dos serviços prestados pelas farmácias.
Se todos já sabemos tudo isto, porque não estamos já mais avançados na prestação de serviços complementares?
A remuneração destes serviços às farmácias é sempre o grande entrave colocado por todos os envolvidos no processo, inclusivamente pelas próprias. Da experiência que tenho, uma percentagem considerável dos utentes está disposta a pagar por estes serviços, mas para isso é preciso que estes sejam apresentados aos utentes, executados e monitorizados. A valorização passa não só por disponibilizar serviços de qualidade mas também pela cobrança dos mesmos, pois não é novidade que “tudo o que é dado, não é valorizado”. A remuneração tende a ser assegurada pelos utentes (utilizador pagador) ou por outras entidades como, por exemplo, as seguradoras.
Num futuro próximo, a sequência – esperar na fila, apresentar a receita médica, pagar a conta e levar os medicamentos – não será suficiente para o utente da era digital. Além disso, estar crente de que a legislação vai eternamente proteger o negócio da farmácia como o conhecemos agora é um “salto de fé”.
É por tudo isto que o futuro da farmácia será humano!
E, pelo caminho, voltaremos a ter farmacêuticos apaixonados pelo seu trabalho e a querer voltar a trabalhar em farmácia comunitária! Mas isso… “dá pano para mangas” e fica para outro artigo.
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